Eu sempre achei rí-dí-cu-la essa história de tratar cachorro como gente. De chamar de “bebê” e falar “vem com a mamãe”. E cachorro dentro de casa, então? Aquele monte de pelo caindo por tudo, uma falta de higiene total. E olha que eu sempre gostei do bicho. Mas é que, se a gente para e pensa, cachorro dentro de casa não é muito higiênico mesmo. E ninguém é mãe de cachorro, certo? Certo até ele aparecer.
Faz uns oito anos. Na porta de casa, com alguns meses de idade, magrelo de mostrar as costelas, pulando na gente para brincar. Suportei por alguns dias, até ele aparecer mancando. Tinha sido atropelado. Assim já é demais! Rumei para o veterinário. Eu com a criatura no banco de trás do carro. O namorado dirigindo. Mas foram só alguns quarteirões nessa situação. Assim que o bicho começou a querer intimidades – pular no colo, lamber a cara – eu providenciei uma troca de postos. Paramos no meio da rua, eu assumi a direção e o namorado o bicho peludo e cheio de pulgas. Juro que dava para vê-las andando na barriga dele (do cachorro, não do namorado). O veterinário fez a atadura e voltamos para casa. Mas ele vai ficar aí, no meio da rua? E se chover? Não pode molhar a faixa. Põe ele para dentro do portão. É só até tirar a atadura, é por uma semana. Claaaaro!!! O bicho entrou e nunca mais saiu.
Ganhou nome: Thor. Uma bolinha de borracha colorida, um pote para água, outro para a ração. Até casa própria, com telhadinho pintado de azul porque ele é menino. Custou quase um salário inteiro, um dos primeiros que eu ganhei como estagiária na faculdade. Se os bens materiais do cachorro podiam ser contados nos dedos das patas, o carinho que a criatura ganhou não dá para dimensionar. É Thor, né? Mas também atende por Totó, Tots, Baby, Bebê, Bê, Nenê, Nêne (pronunciado assim mesmo), Neno, Nenucho, Chuchu, Churux. Abro a geladeira na hora do almoço e grito com a cara enfiada lá dentro:
- Mãe, onde está o chuchu?
- Sei lá, deve estar enfiado debaixo da cama.
- Não, mãe. O chuchu de verdade, não o cachorro.
Juro.
O cachorro, coitado, não entende a maluquice do monte de apelidos. O que ele entende mesmo é o tom da voz, que é invariavelmente assim: “nhê-nhê-nhê”. Para quem achava o cúmulo chamar cachorro de “Bebê”, estou bem. Já temo pelas minhas cordas vocais. Posso adquirir um calo de tanto forçar a voz nesse ta-ti-bi-ta-ti cachorrífico?
Pelo menos, escapei de virar mãe de cachorro. Porque quem virou foi a minha mãe. “Vem cá que a mamãe dá papa para você”. Ah, sim, porque o bicho não come sozinho, minha gente. Late, bate na vasilha até que alguém venha dar ração para ele. DE GRÃO EM GRÃO! Tem um sapo de pelúcia (que ele roubou de mim, presente de uma amiga querida). Recebe o brinquedo todas as noites, depois do biscoito, “para fazer nana”. No inverno, veste o “pijaminha”. Xadrez ou estampado com leõezinhos.
A casinha de teto azul jaz em algum canto do quintal. Porque ele se mudou de sapo, paninho e osso para dentro de casa. Fui viajar para a Finlândia. Abro a mala, visto aquele casaco que eu nunca uso no Brasil e vou conhecer a cidade. No espelho do elevador, eu vejo: tem pelo de Thor até na Finlândia! Agora, nessas noites frias, ele decidiu que a minha cama é um lugar bem aconchegante para dormir. Enquanto estou lendo um livro, até deixo ele deitado no pé. “Ah, daqui a pouco ele desce”. Canso do livro, apago a luz, tento esticar a perna. Nada da criatura se mexer. Empurro ele com as pernas para fora da cama. Parece uma pedra. Acendo a luz. Está respirando. Empurro de novo. Nada. Me vejo às 2 da manhã, tentando convencer o cachorro a dar o MEU lugar na MINHA cama. “Thor, é um, é dois, é três: desce!”, “Aqui ô, no tapetinho, fofinho, quentinho, olha que gostoso”. Incomodado porque eu estava atrapalhando o sono dele, o cachorro resolve descer da cama. E eu fico com o coração apertado. Onde é que isso vai parar?
PS: Filó, não siga o exemplo do Thor: na minha caminha, não!
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